Edema

Mantenho-me sóbrio. Embriaga-me a realidade.

Esta mesma que tantas vezes para livrar-me lancei mão do vinho, agora inebria em seus vapores. Desta vez mantenho-me ereto. Assecla de minhas pseudo-resoluções procuro fixar meus olhos abertos mesmo contra a luz indolente que, em rompantes, invade este catre escuro.

Eis o quadro que vejo:

[das formas]

Nenhuma linha é reta. Tão pouco tortas são as linhas. Não há círculos perfeitos, horizontes definidos que não desabem e se reconstruam diante de nossos olhos atentos ou distraídos. Não há verdade que não se altere. Não há verdade.

[das cores]

São derramados pelas invisíveis mãos, deste que erroneamente chamam destino, sob as telas dos anos, dos dias, pinceis carregados de estórias; amores e mortes, canções e silêncio. E estas mãos, sustidas por visíveis e verdadeiras mãos, compõe a paisagem bucólica deste que, também por engano, é chamado de Cronos.  Agora vejo sombras amarelecidas e desbotadas. E lá bem à frente já me é possível alcançar uma nova onda de cores.

[das figuras]

Esfumaçadas imagens atravessam horizontes imaginários e os olhos se cruzam como em um sonho. São a primazia de nossos desejos, tudo o que se quer se cria, se materializa entre vertigens. Nós somos as telas dessas projeções. O horizonte de perspectivas. Em nosso espelho côncavo só nos cabe a face nítida, tudo mais são miragens.

Henrique Souza.

28 setembro 2009

 

Published in: on novembro 15, 2009 at 10:18 am  Comments (1)  

Nossa história

 

Só distância. Caminho longo. Em cada passo o passado pra trás.

Só cansaço. Tédio e fuga. Em cada lembrança a esperança de esquecer.

No espaço comum, inóspito e comum, vários desejos flutuantes brindavam a mente dos amantes, dos ébrios, dos solitários. Todos vestindo o sorriso da descoberta, distantes mesmo da Vênus prima, cantavam achados preciosos. Embora os dois filhos do acaso inda nada cantassem, eram, neste cenário torpe, os principais artífices de estátuas imortais.

Cada qual representando em sua marca seu papel. Fiéis em suas falas. Obstinados em seu umbigo. Criando um mundo tão perfeito quanto falso, os nossos atores esperavam a physys de Baco, com seu vinho mágico e profano, pra selar o que nem a vida em seus melhores ensaios seria capaz de criar. De verdades em verdades, entre soluços e tragos, tudo o que se lhes cobria viera ao chão. Sem máscaras ou maquilagens, os dois estranhos apertavam as mãos num gesto de nítida controvérsia – amigos – os diferentes se tornam.

As vozes sibilam. Já não mais se sabe onde fala o homem ou onde cantam os deuses.  Toda a perfeição dos sabores brinda as línguas em êxtase. E os corpos, meros objetos em cena, tomam a forma do todo. Tudo está no corpo. Nem as palavras mais rebuscadas seriam capazes de deter ou florear o que eles agora eram. Por vários dias se ausentaram do mundo dos homens os dois amantes e em algum lugar jamais visitado, suas almas habitaram.

Ela perdida, simples e sincera. Ele vazio, triste e solitário. Viveram as delícias que já imagina o leitor sagaz. Mas o cantador das desventuras já anunciava: “pra sempre é sempre por um triz”. E findada a paz entre o dois reinos, o bruto homem foi capaz de empunhar em guerra a espada, e desferir vários golpes contra ela, contra tudo que acreditava. Dizem que ela inda vive e que ele vaga atrás de seu perdão. Portanto a estória talvez aqui não termine. E quem souber que a paz se vez de novo, conta-me depressa, que apresso meus passos de volta.

Henrique Souza

25 setembro 2009

Published in: on novembro 15, 2009 at 10:06 am  Deixe um comentário  

Quem?!

 

Quem vai nos trazer de volta

Quem vai nos devolver

Os sonhos perdidos de outrora

Quando eu sabia o que eu queria

Quando eu sabia o que

 

Ainda sou o mesmo, mas não faço parte

Do inteiro só ficaram as metades

Que eu não gosto de lembrar

 

Quando nós nos tornamos máquinas

Maquiavélicas e falhas

Esperando que outro erre

Pra enterrá-lo medos

Produzidos em nós

 

Eu não sou perfeito, mas tenho coragem

Não serão os dentes desta engrenagem

Que iriam nos derrotar

 

Saiba amor que eu tenho

Mais amor que tudo

Quanto mais pesado me cair o julgo

Mais forte vou levantar

 

E você também, vem comigo

Eu até consigo te imaginar

Desenhando sonhos rabiscando caras

Inventado nomes pra gente se chamar

Procurando abrigo

Abrigando amigos

Erguendo castelos pra gente se amar

Published in: on novembro 15, 2009 at 10:02 am  Deixe um comentário  

Face menina dos dias mulher da noite

Foge menina da noite

Que os homens daqui são iguais

O animal ronca e alma descansa em paz

Ternos, gravatas respiram suados

Doutores, pastores, peão

A cada centavo a cada milhão a cada sim acaba-se

A face menina dos dias, mulher da noite  

Entre quatro esquinas num hotel barato um barato pra ficar em cima pra ficar ligado  

Carros silenciam sentenciam-se milhões 

Fugindo pra casa maquilagem borrada batons

Na face menina dos dias, mulher da noite 

A praça parece pequena

Pros teus sonhos nus

Enquanto lhe cobrem o corpo enquanto lhe lançam pus

Na ferida aberta na miséria selada dos olhos famintos da boca fechada

Na face menina dos dias, mulher da noite 

Teu corpo não mais existe e é só o que eles vêm

Tua alma perpetua, mas não podem perceber

Que o teu sorriso e grito que eles fingem não ouvir

E se calam quando olham para ti

Pra face menina dos dias mulher da noite 

Published in: on outubro 3, 2007 at 6:23 pm  Comments (1)  

Tempo e Paciência.

Eu ainda te esperava

Não vinhas, mas te esperava

Em cada olhar que me lembrava o teu eu te buscava

Em cada hora que antecedia a sua

Eu cegava os olhos no ponteiro mudo e te sonhava

Eu já te esperava

Não com paciencia, mas como quem tem pressa

Como quem apressa os dias nos seus passos

Corria ao teu encontro quando ouvia rumores da tua vinda

Boatos da tua chegada alvoroçavam minha ciade

Seguia teus cabalos em rostos alheios

Seguia tua face n’outras faces

Pra me convencer de que já chegara

Mas mesmo em outros braços eu te esperava

Porque sabia que inda vinhas

D’outras terras outras paragens

Em outros portos eu te aguardava

N’outras viagens outras bagagens

Em lendas esquecidas

Nas ruinas dos antigos templos

Nos momentos em que menos podia, inda sorria e te esperava  

Na conversa sobre o monte citava teu nome aos Incas

Quando falavam de amor dançava à tua espera

Catva estórias das folhas mortas que o outono seco levava ao chão

Inventava livros do vento vivo orvalho manso na minha mão

Como ainda fosse criança como ainda circulasse pelo sangue a inocência

Na sacada as mulheres punham

E delas eu fazia o seu jardim

Dos perfumes pelas ruas compunha tua canção

Roubava o pão de outras mãos e preparava o teu jantar

E mesmo que me furtassem a vida, a vinda

Mesmo que acabasse ainda o meu tempo

E me roubassem a urgência

Eu te esperaria

Porque como veio, eu sabia que vinhas. 

Published in: on agosto 3, 2007 at 1:43 am  Comments (3)  

Da janela

                                                    Dedicado a

                                                    Ana Laura Menezes de Souza.

                                                                                    Com Amor. 

 

 

Ela observava o céu pela janela da sala

Debruçada olhava as nuvens e as formas que elas tomavam

As formas que ela lhes dava.

O vento como autor

Achando-se dono do jogo

Desmanchava com desprezo

E refazia com zelo formas novas pelo ar

Ela que não se cansava

Das peraltices do vento

Arriscava adivinhar qual seria o novo corpo antes mesmo de se formar

Gritava com sigo mesma sorria até de chorar

Quando acertava os segredos que vento vinha contar

Embaraçado desmanchava com pressa fazia outros

E por toda tarde eu via a alegria naquela janela

A alegria e ela a brincar.

Que Deus a proteja nos seus sonhos, nos dias, nos seus caminhos que sempre haja nuvens nos seus céus, sorrisos na sua boca que dos teus olhos nunca saia a vontade de brincar. Que na mesma cadeira eu esteja, soprando vento nas tuas nuvens…

Published in: on julho 20, 2007 at 6:49 am  Comments (6)  

228.

                                                                                                       “[…] Mas, ainda assim, prefiro a profissional: a gente vai, trepa, paga, não fica devendo favor, nem amor, nem amizade, volta para casa e esquece, não lembra mais o nome; Dalva ou Glória ou Marlene ou Valéria ou Paula ou Maura, tudo é a mesma coisa, o mesmo buraco, pernas, peitos, boca, palavrões, gemidos, uma explosão no escuro, a nota em cima da mesa, acabou-se, de volta para casa dormir, nenhum problema, remorso, aflição, saudade, nada, o corpo sossega, a alma não incomoda, e o animal ronca feliz.” [ Luiz Vilela, Tremor de terra.].

Em sentencioso silêncio qual a besta ante amira óbvia do caçador

De quem espera o julgar do tardio gozo, ó gigante monstro ameaçador, eu espero.

Sobre feições escuras macabras luzes vermelhas

Que enchiam de esperança o não se encontrar dos homens

O proucurar sem nome que qualquer nome se dá

Corpos em intelegível dança vestidos dos vestígios nús

Que ao caos só a princesas dava, dadiva de ser adorada como nada como ninguém.  

Ser ser lembrada ou levada pra casa. Sem saber-se no outro dia. Sem saber-se que

Em andanças vadias eu me perdia nas ruínas do seu deitar.

Tantos homens se faziam pobres da seiva viva do pulsar da carne

E se diziam sãos ao penetrar a luz que nem seus olhos podiam suportar

Tão puco sua alma tinham o descanço em que acreditavam

Published in: on julho 20, 2007 at 6:26 am  Deixe um comentário  

Alegria

Há na minha lembrança vários sorrisos que inundam minha mente. Embora eu não tenha sido capaz de sorrir tanto, tanto me alegra vê-los, fortes e imponentes, sobre tudo felizes e conseqüentes sorrisos. Destes, me lembro a mãe que tive, aliás duas delas, a mãe que a mim pariu, tendo concebido meu corpo, e corpo que de mim deu à luz ser que agora com a nomenclatura dos os homens chama-se filho,filha no meu caso, mulher que de mim veio e a quantos outros virá à terra que também pisei. A primeira faço esforço pra lembrar, tão poucas vezes vi teu sorriso, que agora prega peça em mim a lembrança se seu mesmo eram os momentos de alegria, senão de outros que felizes a faziam sorrir. Da segunda, efetiva foi a minha presença em tua alegria, que tamanha capacidade tomou, dando a outros  passagem a faze-la feliz, e eu precursor deste sorriso de longe agora observo a continuidade da obra, alegrias que provem de um e a outros se resume.             De amigos agora me recordo, e destes teus sorrisos ainda mais; porque qual momento é mais importante do que as palavras felicitando a si por serem capazes, ou das bodas das conquistas? Se me valeram alegrias em mim, inda mais em mim valeram alegrias em outros.             Meus irmãos carregam em si a responsabilidade da alegria. Magia que a muitos vêm, mas, que a mim nunca veio, se não pela pura vontade de senti-la. Talvez em mim mais humana seja esta que interrompe o dia, que começa a vida, mas que em mim se encerra. Cerrado os olhos da velhice, pálpebras que se fecham sem vontade, precisamente humana és tu, que pela virtude de faze-lo o faz, que pela vontade de ser o é, que inexprimível exprime em mim a alegria de ter vindo a tua casa terra, ao teu castelo meu corpo, inundando em mim, meu ser.

Published in: on julho 20, 2007 at 3:01 am  Deixe um comentário  

A Festa

Tudo parecia perfeito naquela noite. Os ventos frescos deslocavam do ar o calor que fizera no dia, permitindo assim que as mulheres ousassem em seus vestidos, o que eu aguardava ansioso. As flores desta época do ano, exalavam suave seus perfumes agraciando a lua exuberante no céu, esta que jazia em um escuro profundo dando em si ainda mais clara noção de infinito. A condução estacionou em frente as grades que cercavam a casa e já da entrada podia-se ver as luzes que inundavam o salão principal, e pelas janelas o vulto dos que se faziam presentes. Dentro da sala o de sempre, a mesa repleta de comida, ornamentada com variado cardápio. Os criados desfilando bandejas entre os convivas, carregadas de vinhos, uísques e champanhes numa completa mostra da extravagância humana.

Os homens confabulavam à espera de Alice, que desceria aquelas escadas, belíssima como em todos os anos. As mulheres que os acompanhavam a cada festa, se trajavam dos melhores vestidos, maquilagens e perfumes caros, tentando sempre chamar para si a atenção. O melhor prato a ser servido. E bem assim eu as via, correndo contra o tempo implacável, que a cada ano lhes envelhecia, por mais que não aceitassem ou que relutassem. Mas Alice não, estava sempre bela, cada vez mais bela. Suas curvas atenuavam-se a cada fim de ano e em todos, me trazia ali.Era o ano de1979, nos últimos vinte que me lembro; é provável que já dantes vinha na minha tenra infância; freqüento as comemorações do ano bom nesta casa. Meus pais que sempre viveram na vizinhança, eram grandes amigos da família e mesmo com toda minha insatisfação, obrigavam-me a freqüenta-la.                    

Depois da morte de meus pais, já há cinco anos, após a perda de seus bens e posses, fui inquirido por madame Lindbergh a representa-los.Não é preciso muito para reconhecer minha insatisfação dentre todos estes cavalheiros e damas e senhoras de grandes posses, vomitando-as sutil e cinicamente, uns nos outros em uma competição estúpida que se repete ano após ano. Por mais que já não me fosse obrigado a vir, considerando a não dependência deste convívio e minha total ignorância sobre a inquisição proposta, resignava-me a faze-lo pelo insaciável desejo de rever Alice. Nos anos de nossa infância brincávamos neste quintal. Crescíamos juntos e também como nós, crescia em mim, no recôncavo de min’alma, um amor que eu já sabia, como hoje inda sei, inacessível.                 Adentrando-me ao salão começaram, como já era por mim esperado, o rito dos comprimentos do qual eu tentava inutilmente escapar. As mesmas perguntas e comentários de sempre:

    como vai?

  Como vão os negócios?

   Você cresceu rapaz; já é um homem.

Todos sabiam que meus pais haviam me deixado apenas contas e dívidas, que os negócios iam mal como já iam a muito.  A maioria destes homens mantinham transações conosco e justamente pela ganância e egoísmo deles viemos a falir. Mas ainda assim interessavam-se em sabe-lo para simplesmente terem do que falar. Alguns chegavam até a me oferecer seus préstimos o que eu inocentemente já aceitei e é claro, o máximo que recebi foram as promessas perante o homens, para mostrarem-se caridosos e capazes, massageando seus egos e aumentando suas estimas entre si.   Safando-me dos comprimentos ou pelo menos destes desagradáveis me pus a vagar no salão observando as damas e seus decotes para de alguma forma fazer valer o desconforto de aguardar naquele meio a chegada de Alice. Sem sucesso tento me desligar desta maneira, mas o burburinho das conversas ao redor me deprime. As mulheres em seus angustiantes debates sobre aquisição de uma nova criada, ou das jóias recebidas como presente de casamento que brilhavam mais em suas bocas que nos seus corpos, me remetia a futilidade de suas vidas, principalmente quando se sabia que seus maridos passavam noites inteiras com meretrizes nos quartos de encontro, estas que para mim e também pra eles no auge de sua juventude recebiam muito mais que isto. Via-se no olhar de cada uma a indireta falsidade de ouvinte, que aguardavam apenas o virar das costas para comentarem desdenhosamente boatos como estes. N’outro canto da sala alguns homens falidos que se portavam ainda como nobres fidalgos para de forma alguma denotar sua pobreza, discursavam inventando estórias que não viveram, ruminando o que não tinham.Os criados que para mim possuíam dentre todos a melhor postura, eram desprezados. Não poderiam de forma alguma receber se quer um obrigado pelo esforço de servi-los. Para eles não havia festa nem passagem de ano. Todos os dias eram iguais. Os incansáveis trabalhos da casa, pagos com miseráveis salários e no fim dos anos o ainda maior trabalho de suportar toda essa gente mesquinha e falsa. Eram medidos por sua cor, sua humanidade estava ligada aos seus bens. Sendo assim, éramos todos serviçais ali, todos medidos pela pequinês de suas fortunas, das sua jóias e estórias, de tudo que em uma noite era possível falar, exibir, aumentar e mentir. Servindo então uns aos outros, como marionetes neste imenso teatro aristocrático e medonho.Enquanto eu terminava a dose última do copo que estava em minhas mãos, pensando em tudo isso e fazendo crescer meu ódio por aquelas pessoas, deu-se a hora em que em fim, desceria do seu quarto para juntar-se aos outros, Alice. O silêncio dos homens ao vê-la, fez pairar na atmosfera do salão uma densa nuvem de pensamentos que só se dissipava quando as mulheres sussurravam aos cantos, frases pejorativas sobre seu vestido ou a ousadia de seu decote. Eu no entanto me perdia em cada curva sua apresentada, sem grande espanto por já sabe-las de cor, mas, ansioso por tê-la em minha frente a cumprimentar-me. Tocar-lhe as mãos, o mais próximo que eu chegaria dela naquela noite. Por isso talvez me pareciam melhores as noite em que passava distante, tendo-a em meus sonhos por completo. A realidade da sua presença rodeada por toda essa pompa só me remetia a distância que existia entre nós.Ela não veio. Mais um ano passaria em que os agrados sufocariam-na e eu por exacerbada timidez, deixaria de romper a grossa camada dos que a cercavam. Caminhei para a sacada aguardando silenciosamente o jantar que como de costume encerraria a noite, e por certo o meu tormento.

Sentamo-nos na mesa então, dispostos como em todos os anos; na cabeceira madame Lindbergh e sua filha ao seu lado direito, seguida pelas famílias mais nobres e tradicionais até chegar a mim, que completava como último membro, a hierarquia do jantar. Os criados começaram a nos servir, também respeitando esta ordem, e enquanto comíamos eu podia observar a cada um de maneira ainda mais minuciosa. Divaguei por cada face enquanto mastigavam como porcos o farelo posto. Escorrendo no canto dos lábios a gordura das carnes atenuando a diplomacia fria com o passar sutil dos guardanapos. Meu estomago se revirava ao ver o valor dado ao banquete, imaginando os pensamentos contrários a cada comentário delicado sobre os sabores, a cada sorriso falso em resposta recíproca. Me via devorando os restos na cozinhas com os criados ao final da noite, e me veria mais feliz se assim fosse. Observei Alice em silêncio quase a não tocar no prato. Imaginei no seu olhar tamanho desgosto como o meu. Talvez não me salvasse, mas tinha de salva-la daquilo. Tinha de retirar deste covil, a única coisa que ainda valia, que confessava-me o seu rosto, ainda não tinha se contaminado. Senti o suor descer-me as têmporas. Voltei meu olhar para Alice, como se no dela encontrasse respostas para tamanha angústia. Vinham em minha mente as imagens de criança, as brincadeiras no jardim, os sonhos sustentados pela delicadeza de seu corpo, e de repente a perscrutar de novo as faces da mesa, outra vez  e mais forte me inundava o desejo de livra-la. Agarrei a faca afiada com a qual se partia as carnes, lancei-me sobre a mesa, todos continuavam quietos, apreciando falsamente a comida. E enquanto tropeçava os pés entre as tigelas atirei-me sobre um por um, degolando cada garganta, que sorria como lhes fosse alívio a morte, como se eu os salvasse de si mesmos, o que me deu ainda mais força para faze-lo em todos. Todos mortos e todos salvos inclusive Alice que sorria agora, sorria como nunca, enquanto o homem ao seu lado a beijava na face comemorando o ano novo que virava agora, despertando-me do meu sonho entre os esbarroes e abraços que eu recebia com a faca nas mãos.

Published in: on julho 17, 2007 at 3:10 am  Comments (4)  

Linear

Mais uma vez você me trouxe aqui, neste espaço que nao te cabe, que não te pertence, que nem se quer existe. Que eu inveto mesmo pra deixar de existir nos seu espaços. Todos os lugares sao teus. A pedaços imprecisos do teu olhar espalhados pela cidade e derepente todo mundo enxerga a vida como você. Repetem como loucos teus conselhos. Ouvem-me pacientemente com teus ouvidos. Incoerentes acenao-me com tuas mãos um breve e previsível adeus, contínuo e frio. Resto da tua saliva escapa em beijos rotos pela noite. Por lábios ébrios. Acordo e corro o máximo que posso. Nem sempre escapo ao infalível convite p’ra um agradável café da manha a dois a três passo do abismo onde está o teu corpo detentor incalto do que sobrou do meu.

Published in: on julho 16, 2007 at 9:02 am  Comments (1)